Conta a lenda que Aroni (amigo e parceiro do orixá Ossain), o verdadeiro encantador das folhas (Ewe) e das porções mágicas feita por Ossain.
Comanda as folhas medicinais e litúrgicas, chamadas de folha sagrada, que são utilizadas numa mistura especial chamada de abô. Muitas vezes, é representado com uma única perna.
Cada orixá tem a sua folha, mas só Ossaim detém seus segredos. E sem as folhas e seus segredos não há axé, portanto sem ela nenhuma cerimônia é possível.
Comanda as folhas medicinais e litúrgicas, chamadas de folha sagrada, que são utilizadas numa mistura especial chamada de abô. Muitas vezes, é representado com uma única perna.
Cada orixá tem a sua folha, mas só Ossaim detém seus segredos. E sem as folhas e seus segredos não há axé, portanto sem ela nenhuma cerimônia é possível.
Aroni vivia pelo mundo e
gostava de se aproximar das cidades e se esconder no mato perto do povoado
esperando que alguém passasse por ali, quando uma pessoa passava Aroni se
escondia atrás de uma árvore para atacar com sua lança, Aroni tinha o hábito de
cegar os olhos das pessoas a quem ele atacava, isso divertia Aroni.
O tempo foi passando e
quase todo o povo da cidade já estava cego devido aos ataques de Aroni.
O povo já sem muitas
esperança resolveu procurar um Adivinho (Orunmila) para que o oráculo pudesse dar uma solução para
interromper os ataques de Aroni, o adivinho lhes disse que fosse feito um ebó,
assim os habitantes fizeram o ebó que dizia assim:
“Faça Ebó, pois Aroni é um
ser mau, e com o ebó ele irá encontrar alguém pior do que ele”.
Então um belo dia na
floresta Aroni passeava esperando que alguém passasse por ali para que pudesse
cegar as pessoas, então Aroni escutou um barulho no meio do mato, então pensou
“irei me esconder para atacar de surpresa”, foi quando uma pessoa
aproximava-se, quando chegou perto Aroni pulou de trás da árvore quando viu que
era um homem bem alto e negro com uma espada que brilhava, era Ogun, Aroni
tentou atacar Ogum, mas Ogum o golpeou de baixo para cima com sua espada
cortando-lhe uma das mãos, um dos pés, metade do Saco escrotal, depois disso
Aroni fugiu e esconde-se na floresta esperando, mas com muita cautela devido
ter quase morrido ao atacar Ogun.
Então a moral da história
é de que não importa o quão poderoso e mau seja uma pessoa, sempre haverá outro
pior.
(por isso a semelhança com
o Saci, então Ossain não pode ter uma só perna, pois como conta a lenda que
perdeu parte de uma das pernas, mãos e seu orgão genital foi Aroni).O tempo foi
passando e quase todo o povo da cidade já estava cego devido aos ataques de
Aroni.
O povo já sem muitas
esperança resolveu procurar um Adivinho (Orunmila) para que o oráculo pudesse dar uma solução para
interromper os ataques de Aroni, o adivinho lhes disse que fosse feito um ebó,
assim os habitantes fizeram o ebó que dizia assim:
“Faça Ebó, pois Aroni é um
ser mau, e com o ebó ele irá encontrar alguém pior do que ele”.
Então um belo dia na
floresta Aroni passeava esperando que alguém passasse por ali para que pudesse
cegar as pessoas, então Aroni escutou um barulho no meio do mato, então pensou
“irei me esconder para atacar de surpresa”, foi quando uma pessoa
aproximava-se, quando chegou perto Aroni pulou de trás da árvore quando viu que
era um homem bem alto e negro com uma espada que brilhava, era Ogun, Aroni
tentou atacar Ogum, mas Ogum o golpeou de baixo para cima com sua espada
cortando-lhe uma das mãos, um dos pés, metade do Saco escrotal, depois disso
Aroni fugiu e esconde-se na floresta esperando, mas com muita cautela devido
ter quase morrido ao atacar Ogun.
Então a moral da história
é de que não importa o quão poderoso e mau seja uma pessoa, sempre haverá outro
pior.
(por isso a semelhança com o Saci,
então Ossain não pode ter uma só perna, pois como conta a lenda que perdeu
parte de uma das pernas, mãos e seu orgão genital foi Aroni).
Este
artigo quer apresentar o “lugar” de Ossain, orixá das folhas, para o culto aos
orixás, com o intuito de travar uma discussão entre a lógica ocidental
capitalista (SANTOS, M. 2006, p.100) e a lógica dos rituais nagôs. Entende-se
que a primeira busca a utilização da natureza por meio de uma visão imediatista
pautada pelo mercado e o consumo, enquanto a segunda, vê a natureza como
permeada pelo axé dos Orixás e, assim, devendo ser preservada, uma vez que nela
se deposita e se veicula o axé. Para tanto, utilizaremos os textos mitológicos
referentes ao orixá Ossain, conforme apresentados pelo professor Reginaldo
Prandi em seu Mitologia dos Orixás (2001) A discussão dos textos
mitológicos se justifica, vez que os terreiros reproduzem os mitos em
seus rituais. Nossa metodologia também procura ouvir outras vozes como Pierre
Verger (2002, 1995), Ordep Serra (2006), Juana
Elbein dos Santos (1986), a fim de que, parafraseando Geertz (1989),
ao conversarem dialeticamente produzam um discurso simbólico que possa ser
interpretado semioticamente desvelando os significados mais profundos do culto.
Palavras-chave: desenvolvimento sustentável,
culto aos orixás, Ossain, rituais, plantas.
1. O
lugar do culto aos orixás e o consumismo. Ou de como as coisas precisam estar claras:
diferenciando as lógicas
Òsányìn!
Nkò da se,
Eléwé me dà se,
Baba aròni me dà se,
Wa fún mi.
Eléwé wá fun mi, l’àse o.
Òsányìn wá fun mi, l’àse o.
Mé dà se.
Òsányìn mé dà se.
Ossain,
não faço nada sozinho.
Ó senhor das folhas,
ó Pai Aròni, não faço nada sozinho.
Venha me dar,
ó senhor das folhas, venha me dar axé.
Ossain, venha me dar axé
Não faço nada sozinho.
Ossain, não faço nada sozinho.
(SÀLÁMÌ, 1991, p.58)
Nkò da se,
Eléwé me dà se,
Baba aròni me dà se,
Wa fún mi.
Eléwé wá fun mi, l’àse o.
Òsányìn wá fun mi, l’àse o.
Mé dà se.
Òsányìn mé dà se.
Ossain,
não faço nada sozinho.
Ó senhor das folhas,
ó Pai Aròni, não faço nada sozinho.
Venha me dar,
ó senhor das folhas, venha me dar axé.
Ossain, venha me dar axé
Não faço nada sozinho.
Ossain, não faço nada sozinho.
(SÀLÁMÌ, 1991, p.58)
A epígrafe que propomos em nosso texto, por si só, é
suficiente para expressar o sentimento dos interlocutores de Ossain, o “senhor
das folhas”, e o nosso. A ele é solicitado o axé, e, muito humildemente, neste
orín ou cantiga de orixá, seus adoradores se curvam, entendendo não ser
possível nada se fazer sem ele, sem o poder das folhas e da natureza. Em outras
palavras, que nos parecem muito apropriadas: Kosi ewé, kosi orixá / Sem
folhas não há orixá. Ângela Lühning (2006, p.317)
Traçando um paralelo ilustrativo entre mitologia grega
e culto aos orixás, o interlocutor de Ossain diferencia-se de Odisseu, o rei de
Ítaca, uma vez que este teria desafiado os deuses e assim sofrido as
conseqüências de sua atitude, enquanto aquele rende graças ao orixá, dizendo
depender dele para tudo. Odisseu retorna à Ítaca apenas quando consegue
harmonizar-se com os deuses, religando-se ao sagrado. Cremos que o proposto
pela contemporaneidade é um desafio constante de “estar no mundo”. Há duas
lógicas sobre as quais queremos nos debruçar: (i) a lógica atual, produzida
pela dinâmica do capital e pelos governos financeiros globais, o Fundo
Monetário Internacional, Banco Mundial (SANTOS, M. 2006, p.100) que impele o
homem ao desarmonizar-se, distanciando-o da natureza e do sagrado; (ii) a
lógica da dinâmica do culto aos orixás nagôs, que prescreve a preservação da
natureza, o ebó, as oferendas, o contato com o sagrado como forma de
reestabelecer a harmonia entre os homens, os deuses e a natureza.
O professor Milton Santos já
nos advertiu sobre as maldades do consumismo e da competitividade, inerentes à
lógica capitalista. Não competir, não lucrar à qualquer custo é perder
oportunidades de crescimento, no cenário estabelecido pela lógica atual, que
"leva ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da
personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição
fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão". (SANTOS,
M. 2006, p.49)
Assim, vez que não há mais condições de se continuar
com a “sanha” desenvolvimentista sem agredir ainda mais a natureza e colocar em
xeque gerações futuras, um questionamento paradoxal tem se estabelecido: como
colocar em prática uma lógica social de desenvolvimento pautada pelo
desenvolvimento sustentável? Ora, como colocar em prática uma forma outra de
lidar com a natureza se o homem contemporâneo está pautado por uma lógica na
qual, os fins justificam os meios? "A necessidade real ou imaginada de
buscar mais dinheiro, e, como este, em seu estado puro, é indispensável à
existência das pessoas, das empresas e das nações, as formas pelas quais ele é
obtido, sejam quais forem, já se encontram antecipadamente justificadas
(SANTOS, M. 2006, p.56) Para responder a esta questão, nosso discurso que
pretende propor a lógica do sagrado no culto aos orixás como premissa para o
desenvolvimento sustentável, se coaduna com o de Mircea Elíade,
parafraseado por Nicolescu, "O sagrado é, antes de mais nada, uma
experiência que é transmitida por um sentimento -o sentimento ‘religioso’- do
que liga seres e coisas e, consequentemente induz, no mais profundo do ser
humano, a um absoluto respeito para com os outros aos quais ele está ligado por
partilhar uma vida em comum na mesma Terra". (NICOLESCU, 2002,
p.60).
Na verdade, o homem tem progressivamente se
distanciado do contato com o sagrado, desumanizando-se. Em contrapartida,
segundo Elíade (1992, p.88), “o comportamento religioso dos homens
contribui para a santidade do mundo”. A fim de promover o contato do homem
com o sagrado, e concomitantemente com a natureza em uma outra consciência
ambiental , propomos a dialética do culto aos orixás, propomos a pedagogia do
culto de Ossain, patrono das folhas para o candomblé.
2. Trocando
em miúdos
Axé é uma dádiva dos deuses, mas é preciso conhecer as
fórmulas rituais corretas, perfeitas, para se chegar a ele. “Ah, mas qual é a folha certa?” - pergunta-se o
venerando Idérito de Oxalufã. (Prandi: 1991, p.103) O candomblé de denominação
ketu, é religião iniciática e de possessão predominante na Bahia. É dedicado
aos orixás e tem destinado rica contribuição à religiosidade de cunho
afro-brasileiro.Orixá, termo derivado do iorubá òrìsà, indica
divindade que se destaca entre os homens, no mundo da natureza, tendo seu
domínio no mundo do transcendente (SERRA, 2006:290) No Brasil, comumente são
encontrados dezesseis orixás, sendo cultuados nas casas de axé, dentre eles:
Exu, Ogum, Ifá, Oxalá, Ossain, Xangô, Iansã, Oxum, Obá, Iemanjá, Oxosse,
Logun-Edé, Oxumaré, Omolu, Ibeji, Obaluaê; interessando-nos mais propriamente o
orixá Ossain, vez que nos diversos candomblés é concebido como o “portador do
axé das folhas” (SÀLÁMÌ, 1991, p.56) O candomblé tem como referência as
divindades africanas, os orixás e seu axé. Em seus rituais, há as chamadas
cerimônias privadas, como os ebós, boris e orôs, e as cerimônias públicas, em
que os não iniciados têm acesso. As chamadas “festas” de candomblé correspondem
a este espaço aberto, momento em que se dá o “toque” aos orixás e toda a
comunidade é convidada a viver com os orixás um outro tempo: o Tempo
Primordial: tempo em que os orixás estavam sobre a terra e conviviam com os
homens. Todo o ritual, seja ele privativo ou social, lega ao mundo
um momento de re-ligação com o sagrado, a fim de que a harmonia entre o mundo
do “real” e o mundo do “espiritual” seja efetivada.
Mircea Elíade nos propõe o
Tempo sagrado como um Tempo mítico, Tempo Primordial, “não identificável no
passado histórico, um Tempo original, no sentido de que brotou “de repente”, de
que não foi precedido por um outro Tempo, pois nenhum Tempo podia existir antes
da aparição da realidade narrada pelo mito. (ELÍADE: 1992, p.66) É o
axé dos orixás que nos coloca em contato com este Tempo Primordial. O axé, como
toda força, é manipulável, podendo aumentar ou diminuir a depender de como os
rituais estão sendo produzidos. No culto aos orixás, tudo veicula axé. Os
textos sagrados, mitológicos, as festas, os símbolos, os diversos rituais. Segundo Elbein
dos Santos (1986, p.40), a força do axé é transmitida para os
seres e os objetos a partir de determinados elementos materiais, de certas
substâncias. Ali, o axé se mantém e se renova, de modo que, torna-se
fundamental preservar esses “elementos materiais”, a fim de se preservar o axé;
de modo que, é sine qua non ao culto aos orixás estar ligado à constante
restituição e redistribuição do axé.
É desta lógica que pretendemos
tratar em nosso texto. Uma lógica que vai de encontro com os ditames
capitalistas e com a forma positivista de entender o mundo (COTRIM, 1991) O
mundo capitalista propõe um mundo utilitário, consumista, imediatista, ao passo
que a espiritualidade propõe uma outra postura diante do mundo. Estamos
convencidos de que o culto aos orixás, prescinde a outra lógica que é a de se
relacionar com a natureza, com as folhas, com o Ser no tempo e no espaço,
discurso que se coaduna com a permanente e necessária construção do axé. É
aqui que Ossain se faz presente.
3. Da presença de Ossain: os mitos e os rituais
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Ewé, Ewé!
Vem salvar as folhas
Vem salvar a natureza
(Maria Bethânia)
Sem folha não tem nada
Ewé, Ewé!
Vem salvar as folhas
Vem salvar a natureza
(Maria Bethânia)
Nada se faz no culto aos orixás sem a natureza, sem as
folhas que, amparadas por Ossain, deus da vegetação, das folhas e de seus preparados,
tem finalidade mágica e medicinal. Ossain está tão ligado às folhas, que é como
se o vocábulo “folhas”, fosse-lhe um sinônimo, sua metonímia, seu símbolo. Sem
Ossain não há folhas, sem folhas não há orixás. Não á toa é Ossain quem vai dar
“uma folha para cada orixá”, permitindo-lhes o uso, mas guardando para si os
segredos mais profundos. “Ossain não conta seus segredos para ninguém,/Ossain
nem mesmo fala./Fala por ele seu criado Aroni./Os orixás ficaram gratos a
Ossain/e sempre o reverenciam quando usam as folhas (PRANDI, 2001, p.153) Ossain é um
orixá de trato extremamente delicado, uma vez que está intimamente ligado ao
culto dos ancestrais femininos e masculinos, além de ter contato permanente com
Orunmilá, o deus do destino. É ele um grande feiticeiro, que mora nas
profundezas das matas e conhece os des-caminhos da alta magia. É senhor da
vegetação e da floresta, seu defensor, profundo conhecedor das plantas. Seus
mitos dão conta de que desde muito pequeno Ossain “andava metido mata
adentro./Conhecia todas as folhas e seus segredos./De cada qual sabia o
encantamento apropriado./Sabia empregá-las na cura de doenças e outros males.
(PRANDI, 2001, p.155) É Ossain quem dirá a Orunmilá quais
plantas podem ser cortadas e quais têm valor medicinal, miraculoso.Orunmilá
acaba por interessar-se pelas folhas e pela sabedoria de Ossain, “e assim
Ossain ajudava Orunmilá a receitar/e acabou sendo conhecido como o grande
médico que é. (PRANDI, 2001, p.152) Seu emblema é uma barra central de ferro,
rodeada de outras seis, com um pássaro de ferro sobreposto simbolizando
uma árvore de sete ramos com um pássaro acima. Outro mito que nos faz lembrar a
relação de Ossain com os pássaros e a alta magia daí proveniente, conta-nos que
após subir em uma árvore de obi -sagrada para os cultuadores
de orixá-, produz “um canto irresistível, de um passarinho das matas de
Ossain./Mas o canto era de Ossain, imitando o pássaro/(...) Ossain
desde então é identificado com o pássaro. (PRANDI, 2001, p.156)
Importa-nos, sobretudo, atentar para os seguintes
pontos (i) a relação de Ossain com o pássaro, que simboliza seu alto
poder de magia e de contato com as senhoras da procriação, as mães sagradas.
No mito, é através de seu transformar-se no pássaro que ele consegue seu
objetivo, casar-se com a filha do rei, signo de nobreza. Por outro lado,
arriscamos, parafraseando Verger (1992, p.24), a compreender o alto
poder construtivo/destrutivo de Ossain, graças às suas relações com as mães
sagradas. Salta-nos o texto “Ossain vinga-se dos pais por o deixarem nu”,
no qual Ossain manipula o ebó para agredir seus familiares, mata seu próprio
filho com receio de que ele o ataque, queimando-o até obter um pó preto e, com
esse pó, cura o rei de uma enfermidade. Com isso, Ossain recebe a proteção do rei,
que com ele divide suas riquezas. (PRANDI, 2001, p.156-7); (ii) a relação de
Ossain com o ferro, símbolo do “sangue” preto ligando-o a este axé; (iii) sua
simbologia de procriado, que descende da relação folha-pena (SANTOS,
1986, p.92); (iv) o número seis formado pelas astes -símbolo do par,
valor da ordem, do equilíbrio; (v) a aste central que, somada as seis
outras astes, alude ao número sete, ímpar, signo do desequilíbrio, da
passagem, da transformação, da transmutação, da alta magia (SERRA,
2006 , p.296); (vi) sua ligação com outros orixás caçadores e signos de
alta magia, como Oxossi e Ogum; (vii) sua ligação com Exu, uma vez
que ambos configuram-se como extremos manipuladores da magia e do axé.
Há um texto mitológico que nos leva a apontar esta ligação: “Ossain vem dançar
na festa dos homens”. Seus versos finais são esclarecedores: “Ele viera dançar
com os homens/e quem sabe, levaria os seus pedidos aos outros orixás.” (PRANDI,
2001, p.158) Essa qualidade de “levar pedidos”, a princípio é de Exu, o orixá
Elebó -carregador de ebó- que, sem Ossain, vê esta empreita dificultada.
Mais acima nos remetemos às celebrações públicas no
culto. Poderíamos agora fazer um recorte sobre a poética de Ossain nestas
festas. Em diversos terreiros podem ser vistas, quando se canta para este
orixá, folhas devidamente preparadas sendo lançadas no barracão, e os
cultuadores pegando-as antes que caiam no chão e passando-as no corpo,
solicitando a proteção de Ossain, pedindo-lhe que permita que as folhas emanem
seu axé e assim, restituindo-se o poder dos homens e dos orixás. Há, neste
sentido, um profundo respeito pela natureza sendo construído. Verger (1992,
p.85-90), ao apresentar texto do Odu Òsé óyèkú corrobora com
nossa afirmativa:
Obarixá ama o efun (pó
branco).
Obaluaê ama o osun (pó vermelho).
Ogum ama o carvão,
Odudua ama a lama.
Obarixá pega a cabaça de efum.
Desde aquele tempo, com sementes de kola brancas e sementes de kola vermelhas, eles adoram Odù. (grifos nossos).
Obaluaê ama o osun (pó vermelho).
Ogum ama o carvão,
Odudua ama a lama.
Obarixá pega a cabaça de efum.
Desde aquele tempo, com sementes de kola brancas e sementes de kola vermelhas, eles adoram Odù. (grifos nossos).
Os orixás “necessitam” da natureza para reformular
suas atividades, e dialeticamente, os cultuadores “necessitam” da natureza e de
seus “elementos materiais” para invocar seus deuses. É no território dos reinos
animal, vegetal e mineral que o axé re-nasce, pois são elementos portadores de
axé. Segundo Elbein dos Santos, estes “elementos de fundamento” podem ser
divididos em três categorias: “sangue vermelho”, “sangue branco”, “sangue
preto”, sem os quais, o culto aos orixás simplesmente se desconstrói (1986,
p.41) O candomblé, portanto, é uma religião ágil, mutante, dinâmica, sendo seus
saberes transmitidos oralmente ao longo dos anos e da prática dos iniciados no
culto (VERGER, 1995, p.20) É por meio da oralidade que se transmite o axé, o
poder dos orixás e de suas plantas. Ou como quer Silveira (2004), educa-se pelo
silêncio.
Elbein dos Santos (1986, p.91) nos conta que "As
folhas nascidas das árvores, e as plantas constituem uma emanação direta do
poder sobrenatural da terra fertilizada pela chuva e, como esse poder, a ação
das folhas pode ser múltipla e utilizada para diversos fins. Cada folha possui
virtudes que lhes são próprias e, misturadas a outras, formam preparações
medicinais ou mágicas, de grande importância nos cultos, onde nada pode ser
feito sem o uso das folhas".Vejamos como as lógicas são diferentes: para a
medicina ocidental, o conhecimento dito válido é o do nome científico das
plantas e suas características farmacológicas, enquanto que para o
culto dos orixás o fundamental é o conhecimento dos ofó (as encantações) e as
misturas. Amarrando esta idéia com o texto mitológico, “Ossain,
contudo, deu algumas folhas para cada orixá,/deu algum ewé para cada um
deles./Cada folha com seus axés e seus ofó,/que são as cantigas de
encantamento,/sem as quais as folhas não funcionam. (PRANDI, 2001, p.154) O
“sangue” das folhas, portanto, é sagrado, e como tal traz consigo o poder do
que nasce, sendo um dos mais poderosos axé dos iorubás. Lühning (2006,
p.304) uma das principais pesquisadores de Pierre Verger no Brasil, também se
reporta a classificação das plantas dicotomizando o saber da botânica oficial,
seu Systema Naturae e aquele produzido pelo “sistema
nativo iorubá”. Os iorubás entendem as plantas pautadas em suas
características: (i) de acordo com sua superfície (áspera, lisa, cheia de
cabelos que queimam, seu cheiro, cor, se solta tinta); (ii) se a folha se fecha
a noite; (iii) se a planta produz sementes que grudam; (iv) de acordo com seu
sabor característico. Lühning (2006, p.313) inclusive acresce que há uma
separação entre o saber oficial e o popular, sendo que o primeiro goza de
privilégios sobre o segundo. Todavia, entende a pesquisadora, ser esta uma
lógica questionável, “inadmissível”, principalmente em um país como o Brasil,
em que as pessoas são excluídas do saber dito erudito. Importa à dinâmica dos
orixás o saber empírico-popular, a relação com as forças da natureza e com os
deuses, sobretudo, com Ossain (VERGER, 1995, p.23) Assim, a manipulação
das energias presentes na natureza não se dá sem se conhecer o axé, sem a ele
estar apto. Há também que se conhecer as encantações, percebendo as folhas como
sendo representantes e representadas pelo procriado (SANTOS, 1986,
p.91) Como nos ensina o babalaô: "Essas encantações-jogos de
palavras têm uma grande importância nas civilizações de tradição oral. Sendo
pronunciadas em orações solenes, podem ser consideradas como definições e com
freqüência são as bases sobre as quais o raciocínio é construído.Servem
também como conclusão e prova final nas histórias transmitidas de geração a
geração de babalaôs, e expressam o ponto de vista da cultura iorubá e o senso
comum de seu povo.(VERGER, 1995, p.24)
4. Pensando em concluir: por uma outra consciência ambiental.
Ewé n’jé
Oógún n’jé
Oógún tikò jé
ewé rè ní kò pè
As folhas funcionam
Os remédios funcionam
Remédio que não funciona
é que tem folhas faltando.
Oógún n’jé
Oógún tikò jé
ewé rè ní kò pè
As folhas funcionam
Os remédios funcionam
Remédio que não funciona
é que tem folhas faltando.
Estamos convencidos de que enquanto metafísica, o
culto aos orixás está muito mais apto a responder às necessidades de proteção
ambiental e de desenvolvimento sustentável do que a lógica capitalista
ocidental. São os diversos orixás que respondem a esta necessidade: sem as
folhas, sem o desenvolvimento sustentável do mundo, não há orixá, não há
natureza, não há axé. Na medida mesma em que os orixás são a natureza,
sendo dela elementos, tornam-se seus protetores, guardiões, fiscais. A
força dos orixás reside em uma dialética: manipulação do axé da natureza, para
restituir a natureza humana e seu próprio axé. É este axé revivificado
através dos diversos rituais produzidos com as folhas, que conduz o homem em
direção ao transcendente, propondo-lhe outra consciência diante do mundo, da
natureza, da sociedade. A vida no culto aos orixás adquire sentido à medida que
seus cultuadores se apropriam dos mecanismos materiais e simbólicos dos
vegetais, respaldados em seus mitos e rituais, veículos de transmissão,
manutenção e apropriação de saberes. São diversos os momentos em que isto
ocorre nos terreiros. A conexão entre os adoradores dos orixás e seus deuses se
dá pela trituração das folhas para compor banhos rituais -os amacis, omierô,
abôs-, com os quais os filhos de santo e os objetos do culto são sacralizados.
Os filhos de santo também são colocados para dormir durante suas obrigações em
esteiras cobertas com folhas características de seu orixá e/ou do “fundamento”
que está sendo manipulado. Os alimentos são envolvidos em folhas, é através
delas que os compostos mágicos são potencializados (SILVA, 1995, p.208) Assim,
por meio de um contato dinâmico de restituição do axé, os cultuadores dos
orixás vão promovendo um novo diálogo com a natureza. É dela que se extrai e
nelas e devolve elementos significativos para a manutenção do sistema
ritualístico. É na natureza, na floresta, em suas plantas que se dá o encontro
com Ossain, com Oxóssi e Ogum. É através deste mecanismo ritualístico que se
processa o encontro do homem com o ser transcendental, caminhos para uma outra
consciência ambiental.
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Escola do Futuro da USP, realizado no Guarujá, São Paulo, de 8 a 11 de junho de
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